hits Orquestra de Violões do Seridó Oriental: Reunião de campos e veredas
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domingo, 27 de março de 2016

Reunião de campos e veredas




Boniteza em que a vista e o ouvido encontram aconchego é o CD ‘Campos Grandes Reunidos’, de Wescley J. Gama, lançado no dia 12 do mês de março, em Currais Novos. A sensação forte de acolhimento não está só no veio telúrico que de pronto se anuncia e depois se confirma, com a evocação de um Seridó a um só tempo arcaico e restituído, árido e afetuoso. O aconchego desses ‘Campos...’ se amplia para uma identificação para muito além do berço da terra seridoense. Identificamos (e nos identificamos) aqui acordes que nos contam como vidas vibrando sobre o mundo. Não só sobre a terra, a nossa, mas sobre o mundo, e o mundo são muitas terras.
Casimiro de Abreu, no poema “Minha terra” promete que fará sua terra rainha, “nas débeis cordas da lira”. O que faz é projetar essa majestade que canta e encontrar como súditos dela os que em tanto esplendor se acham. Ou acham as suas próprias na terra rainha do poeta. Assim as canções de ‘Campos Grandes Reunidos’ fazem os seus ouvintes acharem na majestade seridoense as memórias das terras tantas que compõem o mundo.
O mundo são cidades e campos, são calçadas e veredas. O mundo são calçadas de cidades, sobre as quais deslizam conversas, aqui, ali e alhures, como no poema ‘As Noites de Dezembro’, de Theo G. Alves, musicado por Wescley e que faz parte do CD. Calçadas que, pela vida humana se unem a campos, atalhos, picadas e veredas, tudo sendo, ao fim e ao cabo, caminhos.
Pois as músicas desse CD são caminhos. Caminhos que acolhem, mas que também incitam a descobertas e redescobertas.
A força poética das letras e das músicas (entre os compositores das canções e letras estão, além do próprio Wescley e de Theo G. Alves, Paula Érica, Chico Benedito, Zé Benedito, Iara Maria Carvalho, Elina Carvalho e Michelle Ferret) está presente no CD inteiro, como seu constante encantamento, mas, mesmo assim, há súbitos arrebatamentos que renovam tal encanto.É o que na faixa onze, ‘Amanhecerá’, não sem motivo a faixa de trabalho do disco.
A água é duradoura nessa poesia que flui faixa após faixa, líquido da vida apontando a vida líquida, mas ainda lírica destes tempos. Porque o lirismo é um sempre, que assim seja. Temperos desse lirismo líquido, sal e a areia se ligam na lembrança da poetisa do mar Zila Mamede, na alusão à ligação ancestral dos cantos nordestino e árabe. Mas, tão longe, tão perto do sal, a água também é vida nos acordes do ‘Caminho para Gargalheiras’.
À água, ao sal, à areia, ao aboio, às noites conversadeiras, se junta o mistério. E que arte se sustém, sem o mistério? Aqui, o mistério é lúdico, como aquele que é ecoado por vozes de crianças, mas é mistério. E o mistério é tudo o que nos guarda para as perguntas fundamentais, para as quais não há respostas. É o mistério que nos dá amplidão, como a visão e a lembrança de grandes descampados e o som dos aboios.
Esses grandes campos daqui apontam também veredas de grandes sertões de alhures. Apontam travessias, como na música título do CD, ‘Campos Grandes Reunidos’. Travessias no fora, mas fundamentalmente no dentro, porque todos nós contemos campos, contemos mundos.
Ouçamos, então, as canções do CD ‘Campos Grandes Reunidos’, de Wescley J. Gama, e atravessemos os caminhos que a arte e sua beleza nos apontam. Ouçamos e aproveitemos, na liquidez do mundo, a fluidez da poesia.

Carmen Vasconcelos

 

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